Por: João Paulo
“E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão.”
(Chico Buarque)
Livro: Hiroshima
Autor: John Hersey
Editora: Cia Das Letras
Páginas: 176
SINOPSE
A bomba atômica matou 100 mil pessoas na cidade japonesa de Hiroshima, em agosto de 1945. Naquele dia, depois de um clarão silencioso, uma torre de poeira e fragmentos de fissão se ergueu no céu de Hiroshima, deixando cair gotas imensas - do tamanho de bolas de gude - da pavorosa mistura.
Um ano depois, a reportagem de John Hersey reconstituía o dia da explosão a partir do depoimento de seis sobreviventes. O texto tomava a edição inteira da revista The New Yorker, uma das mais importantes publicações semanais dos Estados Unidos. O trabalho do repórter alcançou uma repercussão extraordinária.
Sua investigação aliava o rigor da informação jornalística à qualidade de um texto literário. Nascia ali um gênero de jornalismo que estabelecia novos parâmetros para a maneira de relatar os fatos. A narrativa de Hersey dava rosto à catástrofe da bomba: o horror tinha nome, idade e sexo. Ao optar por um texto simples, sem enfatizar emoções, o autor deixou fluir o relato oral de quem realmente viveu a história.
Quarenta anos mais tarde, Hersey voltou a Hiroshima e escreveu o último capítulo da história dos hibakushas - as pessoas atingidas pelos efeitos da bomba. Hiroshima permitiu que o mundo avaliasse o inacreditável poder destrutivo das armas nucleares e a terrível implicação do seu uso.
Éramos Seis: será que a rosa foi esquecida?
RESENHA:
Em “Hiroshima” (1946), livro-reportagem do jornalista americano John Hersey, o lendário cenário trágico do pós-bombardeio dos Estados Unidos ao solo japonês é resgatado à memória por aqueles que testemunharam o impacto da bomba atômica não só na cidade de Hiroshima, mas também nos seus destinos. O clarão do céu de Hiroshima escureceu suas vidas.
Um ano após o incidente, John Hersey buscou narrar os acontecimentos que se seguiram depois do bombardeio sob a ótica daqueles que sentiram na pele, literalmente, os efeitos da devastação atômica. Toshiko Sasaki, o reverendo Kiyoshi Tanimoto, a sra. Hatsuyo Nakamura, o dr. Masakazu Fujii, o padre alemão Wilhelm Kleinsorge e o dr. Terufumi Sasaki narram fielmente as agruras que fulminaram completa e instantaneamente suas vidas.
Cada qual em seu canto, realizando suas tarefas diárias, mas o medo de um iminente ataque aéreo se refletia nos olhares constantes e pavorosos que percorriam o céu de Hiroshima, além do barulho agonizante das sirenes de alerta que rompiam o silêncio e decretava estado de preocupação, vigilância, por vezes até pânico. Os seis integrantes da narrativa jornalística estavam, conscientemente, à espera de um Armagedom. E ele veio.
Precisamente às oito e quinze da manhã, horário do Japão, do dia 6 de agosto de 1945, a bomba atômica é lançada sob a cidade de Hiroshima e seus destinos começam a se entrelaçar num enredo de euforia, catástrofe e tristeza, que John Hersey trouxe à tona.
Com descrição precisa e minuciosa, a leitura do livro nos impulsiona a mergulhar num espaço-tempo que foi meticulosamente bordado pelo autor afim de nos congelar para o momento; o exato momento em que a linha tênue entre vida e morte perpassou os seis sobreviventes. Dos instantes iniciais de pânico e sofrimento até o que restou da catástrofe.
O livro é muito bem divido em cinco atos que ao longo da leitura proporciona o entendimento profundo, fiel e exato da magnitude cruel da explosão que assolou as vidas japonesas. As histórias cruzadas desenham um Japão que no acender e apagar das luzes passou a sofrer de uma grave doença que emergiu rapidamente e em grande metástase: um cenário de terror e proporções apocalípticas.
A narração jornalística pormenorizada pelo autor permitiu o emergir de um sentimento que se intensificou ao longo dos capítulos: compaixão. Os relatos dos personagens foi descrito alicerçado numa atmosfera ascendente de minúcias e sentimentalidades. As frases muito bem construídas, os pedidos de “socorro”, à luta pela sobrevivência dos integrantes da família, parentes e amigos, embora em tom jornalístico, germinou um sentimento de aproximação da dor que eles sentiram; e da incerteza do que o destino ainda reservaria para eles. A vida é de tantos caminhos, embora há muitos descaminhos diante dela.
A explosão da bomba não só vitimou o presente, colocou também um xeque-mate no futuro. Presente-futuro se abraçaram nas nuvens radioativas. Após a colisão da bomba a população da cidade, de forma instantânea, foi reduzida para menos da metade; milhares de mortos, feridos, ensaguentados. Ademais, o inimigo invisível e silencioso rondava o céu, o ar: a radiação. Muitos afetados por ela também tiveram suas vidas usurpadas; e aqueles que sobreviveram, passaram a carregar consigo sequelas eternas.
“Uma centena de milhares de pessoas foram mortas pela bomba atômica, e essas seis são algumas das que sobreviveram. Ainda se perguntam por que estão vivas, quando tantos morreram…” (Hersey,p.8)
A espiral de morte povoou o Japão assustadoramente. Os relatos dos seis “hibakusha” (termo que os japoneses utilizam para designar os sobreviventes da explosão) se entranham na história. Antes desse livro-reportagem, que inaugurou o gênero jornalismo-literário, os descaminhos do pós-Segunda Guerra Mundial, em especial o bombardeio dos Estados Unidos ao Japão, não havia sido tratado com a devida importância, os relatos normalmente privilegiavam o lado vencedor, e o pesadelo pelo qual passava o Japão era colocado para escanteio, sem ênfase ou aprofundamentos.
A reportagem de Hersey, pulicada originalmente no jornal “The New Yorker”, em 1946, e depois agrupada neste livro, catapultou a sofreguidão dos japoneses. O outro lado do paraíso da vitória dos Estados Unidos. A realidade pós-explosão crua, nua, pulsante, viva na memória de cada história narrada pelos seis personagens. O brilhantismo de John Hersey reside no poder de aproximação que ele teve ao reportar o que viu e ouviu de cada um, isto é, sua escrita detalhista nos ancorou e enlaçou para à história.
“Hiroshima” talvez seja uma das maiores feridas da Alma da humanidade. A forma como foi conduzida a narrativa dos “hibakusha” é uma importantíssima fonte de inspiração não só para o fazer jornalístico; nos traz também um generoso convite para reflexão dos caminhos que, de lá pra cá, a humanidade vem percorrendo. Pouco mais de setenta anos depois do acontecido, ao que parece, a antirrosa atômica que povoou o céu japonês jaz esquecida na memória de muitos, em especial, na consciência de reis e grandes líderes de nações. Vinícius de Moraes, poeta brasileiro, assim como John Hersey, lançou luz aos desastres e horrores ao descrever o contrassenso do bombardeio no poema-canção “Rosa de Hiroshima”, que ecoa pelo tempo na voz de Ney Matogrosso.
Pensem nas crianças
Mudas, Telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas, inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas, Alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh! Não se esqueçam
Da rosa, da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor, sem perfume
Sem rosa, sem nada.
(Vinícius de Moraes/ Gerson Conradi)
Olá Iza
ResponderExcluirApesar do livro tratar um história que é tocante e que quero muito conhecer, não sinto que estou preparada para ler esse livro atualmente, quem sabe mais para frente eu acaba dando uma chance ao livro!
Beijos <3
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